Esbarrei com ela por acaso. Meu livro foi bastante criticado pela crítica analfabeta de sempre. Os Jabors da vida não gostaram do que escrevi. Quem se importa. Mas aquela vaca da revista escreveu algo especialmente ofensivo. Não criticando o livro, o que não seria nada demais, mas criticando a mim. Pessoalmente, acho que não sei lidar muito bem com críticas a minha pessoa. Dizer que eu sou um hipócrita é como um tapa de luva, logo eu que pateicamente me esforço pela verdade. Sempre e sempre. Até numa sinceridade mórbida, que muitas vezes se confunde com um exibicionismo barato. Foi o que ela apontou. Mas não apontou sobre o livro. Não, a vaca ignorou absolutamente todo o conteúdo da obra. Quem se importa com o livro se o que se quer é fuder o autor? Foi o que ela fez, naquela revista de merda.
Então eu mandei o bendito e-mail. Muito mal educado, diga-se de passagem.
MAs quis o acaso, esse sacana fatalista, que errasse um ou dois caracteres. Ou o servidor fizesse confusão. Ou qualquer outra conjunção cósmica ou abalo sísmico no fluxo contínuo desse universo mediano que vivemos. Quis tudo isso (esse algo) que o email rebatesse em outra caixa de correio. Outro destinatário.
Esbarrei com Clarice por acaso. Digo "por acaso" por não encontrar absolutamente uma explicação mais convincente. É sempre bom culpar alguma coisa por nossas incompreensões.
Ela me sorriu. Me sorriu de orelha a orelha.
Ao longo da conversa sobre o tal email enganado, uma merda qualquer nasceu. Sabe aquelas merdas que nascem sem pedir licença, e já vem assim pensando que é dona de tudo?
Foi assim. Clarice não pediu licença. Nem precisava.
Ela me explicou que o email estava enganado.
Eu até esqueci da vaca da revista naquele almoço.
Passamos a almoçar todo dia juntos, naquele mesmo lugar. Todos os dias. ela me contou que tinha sonhos, sonhos estranhos até, mas que eram engraçados. Quer dizer, não envolviam comprar um carro ou ter filhos. envolviam dominar o mundo de uma forma nunca tentada antes.
E eu topei. Juro que topei. A cada novo almoço, nos aproximamos mais. E estamos indo.
Ela é doce como as palavras que diz. Ela é punk como as palaras que diz. E eu nem gosto tanto assim de punks. Passei dessa fase das gravatas roxas.
Mas Deus, esse não-ser, há de testemunhar que qualquer palavra agora possui mais peso, consistência e efeito. E putamerda, como aquele piercing mexe comigo.
Porque o mundo está mais tragável agora que ela está nele.
Amor?
Não, não seja ridículo. Foi só a porra de um email que mandei pra pessoa errada.
Mas quem sabe, não?
Sentei no cume das coisas, agora. Esperando a noite vazar por entre os dedos.
Amanhã, mais uma vez, almoçaremos juntos.
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