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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Dois Milhões e Meio

EPILOGO DA SEGUNDA TEMPORDA - # Lacerdawins

_Você vai fezer o quê? – gritou Bernardo, sacudindo no ar uma expressão tão espantada que eu iria precisar de um dicionário novo pra descrever.

_Eu vou roubar dois milhões e meio da Caixa Econômica Federal – repito baixinho e calmo, acendendo o Hollywood com meu velho Zippo.

_E.. o que... como porquê..caralho... Jesus.

_Ah, não me venha bancar o cristão fervoroso agora. Nós temos que pensar em onde enfiar dois milhões e meio de reais.

_Você está tentando ser engraçado, Sr. Lacerda?

_Na verdade meu senso de humor está terrivelmente ácido hoje, Bee – coloco o maço de volta no bolso. Droga, ele ainda não está acreditando.

_Lacerda, ouça bem... você não pode roubar... dois malditos milhões da caixa econômica...

_...E meio. Dois milhões e meio.

_Dois milhões e meio da Caixa Econômica Federal, cara. Tipo... sei que estamos chapados, você e a Clarisse não estão lá muito bem, a Sophie não é sua maior fã... mas pirar assim é meio babaquice demais pra um pé na bunda, acha não?

_Eu to falando sério, Bee. Fiz todo o trabalho ao longo do mês passado.

_De que merda você está falando? – Bernardo é um cara legal. Gosto do jeito explosivo dele. De todos os amigos de Clarisse, foi o que mais me identifiquei. É o que digo sempre a todo mundo: Enfia esse preconceito no rabo. Mas aparentemente, essa noite Bernardo está particularmente lerdo. É o álcool fazendo efeito ou será que disse algo tão inconcebível assim?

_Eu tenho esse amigo que tem um trojan...

_Trojan?

_Alguma coisa de nerd pra invadir sistemas fechados, banco de dados e congêneres.

_ahn.

_Pois é, ele colocará esse trojan no sistema da Caixa.

_Como?

_Simples. Ele colocou esse tal trojan dentro de um disquete e vai “deixar” o disquete cair dentro da agência bancária.

_Peraí, peraí... – Bernardo dá uma virada na latinha de cerveja e a arremessa pela sacada, quase acertando um mendigo que passava na rua lá embaixo cantarolando algum hit do Milionário & José Rico _E como seu suposto amigo poderá ter certeza que o disquete seria colocado num dos computadores? Ninguém mais usa disquete hoje em dia!

_Ele escreveu “folha de pagamento” no disquete.

Bernardo arregala o olhão pra mim e cái na gargalhada. Ria como uma criança debochada, como seu estivesse fazendo cócegas nele. A cena deveria ser linda. Sacada do quinto andar de prédio central, duas e quarenta e cinco da manhã, um homem gargalhando enquanto outro faz cara de tédio segurando uma latinha de Skol porque a porra da lojinha de conveniência não tinha mais Heinekein. Que tipo de loja de conveniência não faz um puta estoque de Heinekein?

_Genial! Genial! Qualquer funcionário que achar esse disquete vai enfiar no primeiro computador que encontrar. Quem não ficaria curioso pra saber quanto o funcionário ao lado está ganhando??

_É essa a idéia, Bee. E esse meu amigo é um cara muito, muito esperto, que não quer problemas. Por isso essa sociedade comigo. Lavagem de dinheiro. Eu uso minha editora, divido a grana em alguns projetos, altero alguns patrocínios, superfaturo pagamentos de cachês, etc. Lavamos todo esse dinheiro em menos de um mês.

Bee pára diante de mim, com o olhar um pouco aturdido. Me olha bem fundo nos olhos, aquele olhar de quem está alcoolizado demais para manter-se em pé, mas ainda consegue articular frases mais ou menos complexas:

_Você está me assustando, Lacerda.

_Fique calmo. É impossível detectar esse... furto.

_Como assim? São 2 milhões e meio! Acha que ninguém vai dar falta disso?

_Exatamente.

Bernardo desaba no sofá. Estica a mão até mim, gesticulando para que eu lhe dê um cigarro. Coloco o cigarro em sua mão. Ele sorri, maquiavélico. Provavelmente ainda não está acreditando no que estou dizendo, ou está chapado demais para fazer um julgamento moral. Acendo cigarro em sua boca ao mesmo tempo em que contei meu grande plano:

_Nós invadimos o sistema e desviamos 1 centavo de cada maldita conta da Caixa Econômica. Cada uma delas. Apenas 1 centavo por dia. Fizemos isso ao longo do mês todo. Com tantos descontos, juros, taxas de emissão e o escambal, quem notaria o débito de um maldito centavo? Nem o banco notou. Imagine só, um centavo por dia de cada uma das milhares de poupanças da Caixa.

Bee estava estático, o cigarro meio pendurado no canto da boca:

_Agora é oficial, Lacerda: Eu to apavorado.

Eu sorrio assim, desse jeito satisfeito. Sabia que ele não precisaria mais que um incentivo, que poderia contar com esse maluco pra entrar nessa.

_O que você pretende? – pergunta o amigo, já sentindo a embriaguez evaporar pela adrenalina.

_Bom...isso é um segredo. Nem as meninas podem saber disso. Ninguém pode. Só precisamos de um terceiro para lavar essa grana, então você toma parte do negócio. Você e sua empresa. Nós nos mudamos para São Paulo definitivamente e montamos um Pub. Esse é o grande sonho da Clarisse, não? Um Pub só pra ela? Uma república... quero unir todos num só lugar. Quero ter pra sempre meus amigos ao meu lado. Não foi isso o que me disse que gostaria que acontecesse, aquele dia na ponte, Bernardo?

_Sim, mas... – Bernardo ficou sério _Droga, cara... esse dinheiro pode ser perigoso. Podemos ser pegos. Acho melhor não fazermos isso de verdade. Acho melhor você admitir logo que é uma pegadinha, que ta zoando com minha cara.

Solto uma gargalhada que ecoou pelo apartamento todo. Uma risada que foi mais de nervoso que de alegria mesmo.

_Pois é, Bee. Essa é a questão. Te chamei pra beber aqui por isso mesmo, tava a fim de zoar.

_Palhaço filho da mãe! Não teve graça nenhuma.

_Mas nem tudo o que falei é mentira.

_Oh merda, qual é, Lacerda!?

_A plano para o roubo é verdade...

Caminho até o interior do apartamento. Ele vem me seguindo, meio temeroso, meio curioso, meio bêbado. Paramos na porta do quarto que estava semi aberta. Posiciono a mão para abri-la e arrisco meu sorriso mais sacana:

_A parte verdadeira da história é que eu conheço um amigo que tinha um trojam...

Bernardo está caladinho me ouvindo, excitado, enquanto continuo:

_... a parte da mentira é que não iremos fazer isso.... – empurro a porta de uma vez, como se abrisse uma cortina _... nós já fizemos.

O all-star vermelho de Bernardo pisou meio apavorado no tapete sintético do meu quarto. A latinha de Skol escorregou feito granada da mão dele, lançando espuma por todo o piso. A boca dele estava aberta, mas não emitia nenhum som. Nem precisava.

Pois no chão, na cama, na poltrona, na cômoda, em cada maldito espaço daquele quarto estavam espalhadas centenas e centenas de notas de cinqüenta reais.

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