_Haja o que houver, não solte o guidom – digo nos ouvidos de Carisse, enquanto ela mantinha a moto mais ou menos equilibrada em linha reta. O asfalto se estendia até onde não mais víamos naquela rodovia.
_Relaxa, Lacerda. Apesar da ressaca eu estou sóbria – ela está visivelmente feliz. Radiante encima daquela moto preta. Acelerando mais à medida que vai ganhando confiança.
Acho que ela vai gostar, quando souber.
_Mantenha-se pelo menos na pista da direita.
_Eu estou me sentindo tão livre..
_É, o chão é o limite neste caso, e cuidado com aquela... – VRUM, os galhos da árvore passam zunindo perto de nossos ouvidos _Sua doida! Não viu a árvore?
_Ah, deixa de ser cuzão! Tá com medo?
_De ensinar uma psicopata ressacada a pilotar? Confesso que estou tentado a me arrepender disso.
_Então pula, ué?
_E deixar minha moto novinha na mão de alguém que não consegue decidir nem sua opção sexual? Sem chance. E cuidado com a outra árvore ali.
Dessa vez a árvore passou a uma distância segura de nossos capacetes.
Ganhamos a rodovia definitivamente, nenhum carro à vista. Ela está indo bem. Está indo muito bem. È como se ela nascesse pra isso. Dá pra sentir o corpo dela vibrar de eletricidade e excitação.
_Lacerda, aperte minha cintura – diz a voz dela, zunindo com o vento.
Obedeço. Enrosco meu corpo no dela como se ela fosse a única coisa que me importa. E de certa forma... ela é mesmo.
Disse que a amava. Disse assim, capacete colado, corpo colado, mão na cintura. Agarrando-a por trás como uma espécie de animal. Eu juro que disse.
Mas aparentemente ela não ouviu.
Talvez seja melhor assim.
_Posso acelerar mais?? – ela grita
_Tem certeza que consegue manter ela em pé?
_Claro que tenho! Oh, Lacerda, eu quero tanto.. voar, ser livre.. como você!
_Cuide da embreagem, mantenha-se atenta com o freio e fique longe do freio da frente. Agora force levemente o aceler...
O motor rugiu imediatamente, engolindo minha frase pela metade. O vento pulsava no corpo dela, majestosamente. Aquele couro preto cruzando o asfalto, era como um hino. Um hino a tudo aquilo o que somos, ou deveríamos ser.
A moto desacelera e encosta num boteco à beira da estrada. Eu desço, ela desce. A cena dela tirando o capacete foi a maior demonstração de poder que já presenciei na minha vida. Me senti pequeno mesmo, embora isso não seja de meu fetio. Geralmente essas cenas acontecem comigo.
Sem o comercial de shampoo, é claro.
_O que vai ser? Toicinho, torresmo, uma pinga e uma péia?
_Mineiro, você não entende nada de junk food.
_Como não?
Ela aciona o alarme da moto sorrindo, um sorriso delicioso. Atrás dela uma legião de bêbados e vagabundos suspirando em coro. Inclusive eu.
Então ela se vira, me beija a boca e entrega as chaves.
Demoro uns cinco segundos pra piscar.
Assim que me cérebro reinicia, coloco as chaves de volta nas mãos dela e lhe fecho os dedos, carinhosamente.
_Você tem muito o que praticar ainda.
_Mas a moto é sua, Lacerda.
_Não, Clarisse. Uma estrela do rock precisa de um veículo descente. Acho que aquele seu... “carro”... merece se aposentar, definitivamente.
_Qual é, não faz hora comigo.
Faço cara de ofendido, até ela completar:
_Está me dizendo que...
_Anh-rãã...
_Então você comprou essa moto pra...
_É, eu sei.
_Pra ... essa moto... você comprou pra...? Ela é..?
Eu sorrio. O sorriso mais sacana e safado de toda a minha vida, até agora.
Clarisse solta um grito tão estridente que o copinho de pinga de um dos bebuns quase rachou ao meio. Meia dúzia de cabeças apontava pra fora do boteco enquanto a guria pulava em cima de mim e me beijava feito uma louca.
_Eu também te amo, seu bastardo maluco! Ouvi o que você disse aquela hora, mas...
De repente ela pára. Parece haver tido uma idéia. E uma idéia muito maldosa:
_Peraí, o senhor por acaso não está tentando me comprar com uma moto linda, está?
_Quer saber se eu espero que com esse presente você penabundeie de vez a Miss Freud e se case comigo?
Ela fica estática, paralisada, olhando pra mim enquanto acendo um cigarro. O ar parece ter parado, e o mundo prendeu a respiração até eu responder:
_Não, não espero nada. Aliás, Clarisse... por mais que eu ame você com tudo o que sou, não vou forçar você a se decidir. Por mais que ache uma puta covardia da sua parte, e juro que dessa vez eu admito que Sophie também está sofrendo com isso. Mas foda-se, né mesmo? Tudo o que quis te ensinar desde que te conheci é sobre LIBERDADE. Que porra é essa se não pudermos sentir a merda do cabelo no vento? Então é isso, popstar. A moto é sua, para você ser livre. Ao menos metaforicamente.
Ela fica em silêncio. Se você nunca viu alguém chorar de alegria, sinto muito, mas não consigo descrever. Mas se quisesse arriscar uma imagem, diria que se parece com um anjo sorrindo.
Voltamos para casa aquela mesma noite, mas dessa vez eu fui guiando. Clarisse estava com a cabeça recostada nas minhas costas a viagem inteira e não disse uma só palavra. Mas dava pra sentir o sorriso dela na minha jaqueta, enquanto me abraçava.
Chegamos em casa às duas e quinze da manhã. Havia apenas alguns casais no Pub, e Tina já acenou com um sorriso maroto quando nos viu entrar. Pensou bobagem, sem dúvida. Subimos os degraus em silêncio absoluto, ouvindo um a respiração do outro.
Na porta do quarto dela, Clarisse mais uma vez me beija. Gostoso, intenso, molhado. Apaixonado, eu diria. Os olhos dela, assim que me encararam, pediam algo. Algo que ambos sabiam muito bem o que era. Aquele algo que os olhos dela manifestavam sem palavras começou a ganhar força na garganta. Clarisse abriu levemente os lábios, senti sua língua se mover. Aqueles lábios gostosos ima pronunciar palavras, palavras que os olhos já diziam.
Antes de qualquer som sair de sua boca, pousei o indicador em seus lábios até quase tocar a pontinha do nariz. Os olhos dela se abriram surpresos. Eu sorri, apaixonado e gentil. E fiz um “Shhh” ta baixinho que acho que só na alma dela se pôde escutar.
Clarisse sorriu. Melhor não estragarmos tudo agora. Melhor não nos deitarmos dessa vez. Melhor não termos uma baita ressaca moral amanhã de manhã. Nós já passamos por isso antes.
_Voe por todo o mar, pequena... – sussurro _..E volte aqui. Vou estar te esperando.
E entro na porta oposta , naquele mesmo corredor. Ela deve ter ficado ali parada, com um beijo e uma chave nas mãos, por mais alguns segundos.
No quarto que eu dividia com Bernardo, havia uma TV ligada num talk-show. Bee estava sentado, com os pés na mesinha de centro, comendo um pacote de salgadinhos e tomando coca-cola.
_Que bom que chegaram. Achei que só te veria amanhã. Imaginei que essa aulinha de condução ia terminar num motel.
_Não dessa vez, meu amigo. Acho que amo ela demais pra isso.
_Uma frase inteira sem nenhum sarcasmo? Algo te aborrece?
_Não exatamente.
_Que bom, Lacerda, porque a partir de agora vai.
_Hã?
_Veio alguém te procurar hoje à tarde, pouco depois que saiu com a Clarisse.
_ah, não, Bee... se for aquela moça da locadora de novo, avisa pra ela que eu pago a porra da multa, mas só vou entregar o DVD do Lenine no sábado. Ainda preciso fazer algumas cópias e...
_Não, cara. Não foi a moça da locadora – diz Bernardo enfiando mais um salgadinho na boca. Sua expressão está terrivelmente séria.
_Então quem era, poxa?
_Era da polícia. Algo sobre dois milhões meio.
PS: A imagem acima foi criada após duas horas no Photoshop e tem como base duas fotografias, uma minha e outra de uma das autoras do blog, Jéssica (@jessnroll), que na trama responde pelo codinome Clarisse.
FELIPE LACERDA
Isso é que é caos.
ResponderExcluirDEOS!
=D
Dan.
Parece-me que Lacerda está gostando da Clarisse na vida real.. então é Felipe e Jéssica?!!!!!
ResponderExcluirOH RO RO!!! uhauhuha
ResponderExcluirAs pessoas "ANÔNIMAS" viajam na batatinha.
uhauhauh
É até previsível esses comentários ¬¬'
Dan.
Hmm. interessante. Caótico, perspicaz... meio doido. Mas interessante. Anônimo é o cara.
ResponderExcluir