Almoçamos juntos mais uma vez. Depois da dança de ontem acho que as coisas ficaram meio esquisitas entre Clarisse e eu. Não sei se ela entendeu muito bem o que rolou entre Sophie e eu depois daquele Pub que Olavo e Bernardo nos levaram. Como contar pra alguém que sexo é apenas sexo e eu não me importo se tudo acabar com um “bom dia e nunca mais faremos isso novamente”? Não que Sophie não seja uma garota perfeita. Claro que ela é. Mas o que quero é mais que isso. Mais que a perfeição. Algo próximo de “porra, porque não me acordou, estou atrasada para o trabalho!”, embora também não seja bem isso. E Sophie não é assim. Sophie não costuma ter conversas imbecis às quatro da manhã sobre física quântica e evolucionismo de botequim. Acho que Sophie, a mulher incrivelmente perfeita, não acordaria atrasada por nada neste mundo, nem que o diabo lhe puxasse pelo pé. E olha que se eu fosse o diabo, pensando nos pés dela, faria isso.
Clarisse pediu aquelas coisas feitas com soja mais uma vez. Eu acho a macrobiótica uma aberração gastronômica, mas o garçon vai me encher de especiarias vegetais se eu criticar seu belíssimo bolinho de sementes de sei-lá-o-que colhidas frescas hoje de manhã num alegre e higiênico pomar. Droga. A cara que ele fez quando pedi um sóbrio prato de bacon com ovos faria Bela Lugosi cravar as presas na tampa do caixão por pura inveja.
_Então você e a Sophie, vocês...? – Pergunta ela, encolhida atrás daqueles tubérculos e leguminosas.
_Nós fizemos sexo. Estávamos bêbados. Ou você acha que eu costumo dançar macarena todo dia só pra aliviar o estresse?
_A questão não é essa. É que eu achei que você...
_...estava apaixonado por ti?
_É o que eu diria se você me deixasse terminar pelo menos uma frase.
_Desculpe.
_Não se desculpe. Soa idiota. Eu sou uma vaca estúpida por estar brigando com voce. Ela e eu, nós somos...
_...amigas?
Ela me olha com um olhar de desaprovação por haver completado outra frase, a cabeça levemente inclinada para a esquerda. O velho chapeuzinho de veludo lhe conferia um ar Stanley Kubrick estanhamente sexy e apaixonante. Em algum lugar de minha cabeça ecoava a trilha sonora de Clockwork Orange.
_Descul... droga, não sei como me defender.
_Precisamos de um ponto de partida para essa discussão.
_Abordar minha vida sexual como uma traição plástica não é um start digno de qualquer cinema pop art?
_Eu me apaixonei pela sua audácia, seu escroto. Amei você como se ama um deus: Por total irracionalidade.
Essa conversa não vai terminar bem.
_E você acha que eu não sinto algo compatível a esse amor inconcebível, que sou um pedaço de veia obstruído pelo coágulo do meu orgulho narcisista? Que meu pau é o centro do universo onde orbita a santa pureza de todas as mulheres verossímeis como você, a última dessa raça perfeita e quase extinta?
_Hã?
_Eu só dormi com ela. Ela é linda e nem gosta de mim. Ela talvez esteja em algum ponto dessa lástima de cidade com a mesma vergonha de se olhar no espelho que eu estou sentindo agora.
_Porque...?
_Porque dormi com a mulher errada.
Pronto. E a platéia vai ao delírio. Meu ego inflado é deflorado pela ternura de um par de olhos e um piercing no canto da boca. Eu desabei como fruta madura. Ela enfia na boca um pedaço cozido de brócoles com a ponta do garfo. Acho nojento, embora não recusaria um beijo.
_Eu... estou...
_...perdidamente apaixonado por mim? – Clarisse completa minha frase, com um sorriso sarcástico rasgado de canto a canto da boca.
Droga de menina esperta.
Mas que babado! :O
ResponderExcluir