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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Estrelas #LAcerda

Parei a moto na parte de trás do Cafetina, desliguei o motor e sentir a rotação desacelerar até parar por completo, no escuro da calçada. A janela do quarto estava apagada, é claro. A cortina fechada. Mas dava pra ver que a TV estava ligada e em alto volume. Uma risada debochada de algum programa de humor, a  platéia rindo em conjunto. Se conheço bem essa guria, ela só liga a TV assim se não quiser ser incomodada. Ou está chorando ou planejando matar alguém. A julgar pelo nariz da pobre Gabi, eu apostaria na segunda opção.
Então, sem cerimônia alguma, como me é de praxe, acendo um cigarro e me posiciono na moto com o melhor James Dean que há aqui dentro. Dou uma bela tragada, sopro a fumaça no ar. Sempre quis fazer aqueles circulosinhos de fumaça, mas nunca consegui.
A pedra na beira do calçamento dança habilmente pela ponta da bota, sobe numa quicada até a altura dos olhos e a seguro com destreza na mão direita. Jogo-a para cima duas vezes, mentalizando o ponto exato onde queria acertar. Assim, assim. Passei a infância matando passarinhos. Vamos lá. No terceiro salto que a pedra dá no ar e volta pra palma da minha mão, reteso os músculos do braço e giro-a num semi-círculo exato, a aerodinâmica e a força exata. Como já devo ter dito, matar passarinhos é uma arte.
O projétil atravessa a vidraça da janela como se fosse um tiro de doze. A cortina vibra, balança e a Tv se cala imediatamente. A luz acende, nenhum grito de pavor. Eu dou uma tragada no cigarro e espero Clarisse chegar puta na janela gritando...
_Quem foi o filho da puta ? - ela estaca na janela ao me ver, a cabeça enclinada pra cima encarando-a com um quase sorriso.
_Um belo Jeb no queixo, amélie.
_Foi no nariz e não quero falar com você nem com ninguém.
_Havia tanto sangue que ficou meio confuso. Sempre achei que briga de mulher fosse mais puxar cabelo e gritaria. Um belo soco na fuça, coisa de macho.
_Vai pro inferno, Lacerda.
_Eu vim de lá, guria. Das regiões mais ocultas do ser.
_E o que está fazendo com minha moto?
_Eu tenho a chave reserva.
_Ora seu...
_Vai descer ou vamos conversar pela janela mesmo?
_Eu disse que não quero conversar.
_Acho que atravessar sua vidraça com uma pedra não é exatamente um pedido formal.
_e quem você pensa que é pra me dar ordens?
_O pequeno príncipe? O Cowboy irado do velho oeste asfaltado? A porra do audacioso canalha! Agora desce logo daí ou eu arremesso uma pedra maior!
_Você quebrou minha televisão!
_E você o nariza daquela garota! A vida é uma luta bastarda e nglória, petit amélie.
_Droga, Lacerda! Você viu! Aquela vadia não tinha o direito! Todo mundo rouba ela de mim! Até você!
_Achei que não quisesse falar sobre isso.
_E não quero!
_Ótimo, então. Desce aí e vamos falar de desenho animado, cinema francês ou palavrões em italiano.
_Não! Conheço bem isso ! Está querendo se aproveitar da situação pra se deitar na minha cama!
_Se eu quisesse só comer você teria feito isso ontem, não acha?
Clarisse se cala. Pensa um pouquinho. Depois a cabeça dela some. Dico uns cinco minutos sozinho, olhando pra janela, fumando um segundo cigarro. Começava a esfriar quando ouvi os passos dela pela lateral do pub. Passinhos lentos que chutavam pedras.
_Se você tentar me beijar eu quebro seu nariz também.
_Se você tentar me arrastar pro seu quarto eu juro que vou.
Ela chega ao meu lado e se encosta na moto, não antes de dar um soco no meu ombro;
Ficamos os dois, fumando e olhando praquele rombo na vidraça. Até que ela diz:
_Você é doido. Podia ter me acertado.
_Não desse ângulo. Mas confesso que a TV foi de propósito.
_Queria ter essa frieza sua, cara. Mas aqui dentro as coisas são tão... explosivas.
_É, eu percebi.
Ela respira fundo. Deixa o ar sair de levinho:
_Me desculpe. Nem te agradeci como deveria pela moto.
_Calaboca, vai.
_Então pra que me chamou aqui? Não foi pra me arrancar os agradecimentos?
_Não.
_Pra que foi, então?
_Pra isso. Quero que veja isso. Isso é tudo o que tenho pra você essa noite.
Ela segue meu olhar até o céu. Um céu filho da mãe, todo cheinho de estrelas.
_Parabéns pela banda, Clarisse.
_Obrigado, Lacerda. Obrigado.
E ficamos ali, nem sei por quanto tempo, encostados no carro, olhando pra um puta céuzão cheinho de estrelas. Sem nada no peito pra pesar, a não ser nós mesmos.

4 comentários:

  1. Ah, que sem graça... olhar estrelinha

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  2. Hahaha, concordo com o anônimo acima. Sem graça. E outra, velho, esse Lacerda é "o fodão" hein. Primeiro o malandro consegue roubar um banco federal com um mero trojan em um disquete escrito folha de pagamento. Disquete? Hãããnnn, o que é isso mesmo? Os PC's não tem nem enrada de disquete mais velho, tem tempo ainda por cima. Depois, além disso tudo, o cara consegue com uma mísera pedrinha de calçada, quebrar uma vidraça e uma televisão \o/ ... Meu Deus, tenho medo dos próximos feitos impossíveis de Lacerda.

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  3. Tava pensando em invadir banco de dados a Nasa com um tubo de pvc, quatro clipes de papel e durepox. Se tiver um fio de nylon ajuda, mas se não tiver, barbante mesmo serve.
    E matar passarinho um antigo dom Jedi.

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