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terça-feira, 11 de maio de 2010

A fuga?

Tudo está bem quando acaba bem. ehe. Sempre achei essa frase meio idiota. E com certa razão. A gente tem certeza das coisas... bem, só quando elas terminam. Fica tudo meio óbvio demais, mas a gente goza dessa segurança em dizer: Porra, que bom que acabou.
Não tenho muitas razões pra me orgulhar. A não ser talvez o fato de que as coisas vão se acertar no coração de Clarisse. Quero dizer, né... se ela está com ela, então ela está bem. Se ela me odeia, não há mais espaço para conflitos, dúvidas. E enfim, se elas ficam juntas, tudo está em quando acaba be....você já sabe.
Não sei se Bernardo me viu sair daquele muquifo, se Olavo me viu também. Clarisse eu sei que não. Puxo a mochila nas costas, está realmente pesada. Um homem precisa de bagagens, senhor. Coloco tudo na garupa da moto. Ora, ora... a polícia vai encher aquela turminha de perguntas e não quero complicar ainda mais.
Não, isso não é altruísmo. Taí uma coisa que eu não sou. Nem muito bondoso na verdade.
_O que foi isso na sua cabeça? -  pergunta o policial na blitz que me parou logo na saída da cidade. Eu encosto a moto, ajeito a bagagem, aproveito pra acender um cigarro. E o guardinha me faz uma pergunta dessas. Nem adiantou colocar o boné pra disfarçar a atadura.
_Foi uma mulher, que me acertou com uma garrafa de vinho porque meti a mulher dela, que também foi minha por uma noite, numa puta duma encrenca envolvendo um pub, um atendente irlandesa, uma aventura policial e um telefone com GPS.
Respondo assim, de uma vez só, soltando a fumaça. Essa mochila está realmente pesada. O guarda me encara sério e carrancudo, depois cai na risada:
_Tá, fala sério agora! Que história, hein? Quem acreditaria nisso?
_Tem razão, xerife... quem acreditaria? 
_O senhor poderia me mostrar os documentos seus e do veiculo, por favor?
_Claro, claro... - baixo o Ray ban com a ponta dos dedos. São 8:45 da manhã e o sol promete trazer algumas chuvas. Sabe quando aquece, mas deixa esfriar? Eu sei bem como é isso.
O policial checa os documentos atenciosamente. Depois faz uma cara estranha, como se estivesse surpreso:
_Você é Lacerda, o escritor? Autor daquele livro sobre Brechas do Sistema?
_Sim, sou eu mesmo - recoloco o óculos no rosto. Jogo a guimba do cigarro na beira do asfalto.
Ele me devolve os documentos com um sorriso e me libera. Bato uma continência debochada pra ele e acelero a moto, mas antes de soltar a embreagem, ele me pára novamente. Meu coração, dessa vez, quase salta ela garganta:
_Eu li.
_O que você leu?
_Seu livro sobre as brechas do sistema.
_Ah. E o que o senhor achou, xerife?
_Achei bonzinho. Mas concordo com os críticos e técnicos no assunto.
_Concorda em quê?
_É realmente impossível invadir um sistema fechado como um banco com um disquete... quer dizer... isso nunca daria certo.
Dessa vez sou eu quem sorrio. Claro que é improvável, claro que é absurdo. Claro que quase ninguém usa drives de disquetes hoje em dia. Claro que provavelmente não daria certo, não é mesmo?
_MAs quer saber o que eu acho, xerife? Acho que isso nunca daria certo. 
E acelero pra longe dali, sentindo a mochila pesar nas costas.

A única coisa que deixo é tudo. A única coisa que deixo pra trás, é a poeira e a sombra de um sorriso. É claro que ninguém vai sentir de verdade. Na verdade, é claro que vão sobreviver sem mim por uns tempos. Mas eu volto. Em breve. Só preciso deixar essa poeira baixar. E minha cabeça parar de arder com essa garrafada.
A mocinha do pedágio sorri pra mim, aquele sorriso angelical. Que fofo. Páro ao lado da cabine e dou meu melhor sorriso. Algo brilha dentro da guria.
_São quatro e cinquenta, moço.
Mantenho o sorriso e abro a mochila. O conteúdo estava tão estufado lá dentro que quase explode pra fora. Retiro uma nota de 50 e a entrego. Mando um beijinho, daqueles que se dá com os olhos. Digo pra ela guardar o troco e acelero enlouquecido pela rodovia, rumo ao lar do desgraçado filho da puta que tentou matar meus amigos. Sei muito bem onde encontrá-lo. No guichê, a mocinha ficou girando a nota contra a luz, tentando descobrir se era falsa. Não, gata. Não é falsa. Guarde o troco pra você.
Eu carrego muito mais onde tirei essa.

_Bernardo? 
_Oi.
_É Lacerda.
_Doido! Onde cê tá?
_Longe demais das capitais, amigo. Vou passar uns tempos longe dessa merda. Segurança geral. Se livre da polícia na sua cola, cara. Esse numero é novo e só você tem. Me ligue se precisar de mim. MAs só se precisar de mim. Tenho que estourar alguns miolos.
_CAra...
_Quando eu voltar, Bee. Quero dar um puta abraço em você, e um putya beijo também, ´pra matar Lavinho de ciúmes.
_Que isso, cara! Nem vem... e o lavinho e eu, só...
_Blablabla. Diz pra Sophie que se ela fizer Jam sofrer uma só vez eu arranco os olhos dela. É sério.
_LAcerda, você...
_Só vc tem esse número, cara. Segredo. Tô indo atrás dos desgraçados. Último recado:
_Peraí, cara! Porque vc não pode ficar?
_Porque esse cara que mandou pegar sophie sabe demais sobre essa grana toda.
_E o que pode ser ainda pior do que eu já sei? Você roubou o dinheirto do governo!
_Não foi só isso, Bee. No processo todo, eu matei duas pessoas. Na verdade, ontem foram mais três.
_LAcerda, eu..
_Relaxa eu não sou serial killer. Mas preciso sair fora por enquanto, ok? Resolver umas coisas aqui.
_E digo o que pra Jam?
_Diz que a filha da mãe bate feito homem. E que adoro o cheiro dela de manhã.
_E pra mim? Tem nada não?
_Tem sim. Pra você e pro Lavinho. Na máquina da lavanderia. 
_Na lavanderia? O que?
_Uma receita de chantily que baixei da internet...
_...
_20 mil reais, a chave do carro e uma última surpresa.
_Surpresa? O que é???
_Corre lá e descobre, meu amigo. Diz que eu volto logo, ou não.
Ficamos em silêncio por um tempo. Depois ele diz:
_Te cuida, Lacerda.
_Te cuida, Bee.

E desligo o telefone. Sento no balcão do boteco e peço uma cerveja. O garçon me encara bem nos olhos enquanto enxugava o balcão:
_Está com uma cara de quem deixou a vida lá trás, companheiro.
Eu olho pra ele e sorrio. Só sorrio. 
_É, meu velho. Melhor olhar pra cima que o chão é lugar de cuspir.

Um comentário:

  1. Por isso, que eu sou fã do Lacerda! E vou começar a ler o livro dele hoje. Se a impressora funcionar! FODA!

    Dan.

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